MISERICORDIA QUERO E
NÃO SACRIFICIO.
"Rico em Misericórdia"
Diante dos seus conterrâneos, em
Nazaré, Cristo expõe as palavras do profeta Isaías: «O Espírito do Senhor está
sobre mim, porque Ele me ungiu e me enviou a anunciar a Boa Nova aos pobres, a
proclamar a libertação aos cativos e o dom da vista aos cegos, a pôr em
liberdade os oprimidos e a promulgar um ano de acolhimento por parte do
Senhor».
Segundo o Evangelista Lucas, estas
afirmações são a sua primeira declaração messiânica, à qual se seguem os fatos
e as palavras conhecidos por intermédio do Evangelho. Mediante tais fatos e
palavras, Cristo torna o Pai presente no meio dos homens.
É muito significativo que estes
homens sejam, sobretudo os pobres, carecidos dos meios de subsistência, os que
estão privados da liberdade, os cegos que não vêem a beleza da criação, os que
vivem com a amargura no coração, ou então os que sofrem por causa da injustiça
social e, por fim, os pecadores. Em relação a estes últimos, de modo especial,
o Messias torna-se sinal particularmente legível de Deus que é amor, torna-se
sinal do Pai. Do mesmo modo que os homens de então, também os homens do nosso
tempo podem ver o Pai, neste sinal visível.
É igualmente significativo que,
quando os mensageiros enviados por João Batista vieram ter com Jesus e lhe
perguntaram — «Tu és Aquele que está para vir, ou temos que esperar outro?» —
Ele, referindo-se ao mesmo testemunho com que havia inaugurado o seu ensino em
Nazaré, lhes tenha respondido: «Ide contar a João o que vistes e ouvistes: os
cegos vêem, os coxos andam, os leprosos ficam limpos, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam, aos pobres é anunciada a
Boa-Nova»; e é ainda significativo que tenha depois concluído: “Bem-aventurado
aquele que não se escandalizar a meu respeito”.
Jesus revelou, sobretudo com o
seu estilo de vida e com as suas ações, como está presente o amor no mundo em
que vivemos amor operante, amor que se dirige ao homem e abraça tudo quanto
constitui a sua humanidade. Tal amor transparece especialmente no contacto com
o sofrimento, injustiça e pobreza; no contacto com toda a «condição humana»
histórica, que de vários modos manifesta as limitações e a fragilidade, tanto
físicas como morais, do homem. Precisamente o modo e o âmbito em que se
manifesta o amor são chamados na linguagem bíblica «misericórdia».
Cristo, portanto, revela Deus que
é Pai, que é «amor», como se exprimiria São João na sua primeira carta. Revela
Deus «Rico em misericórdia», como lemos em São Paulo. Esta verdade, mais do que
tema de ensino, é realidade que Cristo nos tornou presente.
Tornar presente o Pai como amor e
misericórdia, constitui na consciência do próprio Cristo, ponto fundamental do
exercício da sua missão messiânica. Confirmam-no as palavras por Ele
pronunciadas, primeiro na sinagoga de Nazaré e, depois, diante dos seus discípulos
e dos enviados de João Batista.
Baseando-se neste modo de
manifestar a presença de Deus, que é Pai, amor e misericórdia, Jesus faz da
mesma misericórdia um dos principais temas da sua pregação. Como de costume,
também neste ponto ensina antes de mais «em parábolas», porque exprimem melhor
a própria essência das coisas. Basta recordar a parábola do filho pródigo, ou a
parábola do bom samaritano ou ainda, por contraste, a do servo sem
compaixão.
Numerosas são ainda as passagens
do ensinamento de Cristo que manifestam o amor e misericórdia sob um aspecto
sempre novo. Basta ter diante dos olhos o bom pastor que vai à busca da ovelha
tresmalhada, ou a mulher que varre a casa à
procura da moeda perdida.
O Evangelista que trata de modo particular o
tema do ensino de Cristo é Lucas, cujo Evangelho mereceu ser chamado «o
Evangelho da misericórdia». Quando se trata da pregação, levanta-se um problema
de capital importância, no que diz respeito ao significado dos termos e ao
conteúdo do conceito de «misericórdia» (em relação como conceito de «amor»). A
reta compreensão desse conteúdo é a chave para se entender a própria realidade
da misericórdia. E isto é o que para nós mais importa.
Antes de dedicar uma parte das
nossas considerações a este assunto, ou seja, antes de estabelecer o
significado das palavras e o conteúdo próprio do conceito de «misericórdia», devemos
notar que Cristo, ao revelar o amor-misericórdia de Deus, exigia ao mesmo tempo
dos homens que se deixassem guiar na própria vida pelo amor e pela
misericórdia. Esta exigência faz parte da própria essência da mensagem messiânica
e constitui a medula do «ethos» evangélico. O Mestre exprime isto mesmo, quer por
meio do mandamento por Ele definido como «o primeiro e o maior», quer sob
a forma de bênção, ao proclamar no Sermão da Montanha: «Bem-aventurados os
misericordiosos, porque alcançarão misericórdia».
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